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Dor (2018) 26
  Conferência Inaugural
Dr. José Luís Portela
Gostaria de começar por agradecer o amável convite para estar presente na comemoração dos 40 anos da criação da Unidade de Dor do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lis- boa, bem como as palavras da minha querida Amiga Dra. Beatriz Gomes, palavras tão amáveis quanto, eventualmente, imerecidas.
Gostaria, também, de recordar, aqui, três no- mes, que considero extremamente relevantes nesta efeméride: o Dr. Chichorro, neurologista desta instituição, infelizmente já desaparecido; a Dra. Nair de Azevedo, ex-diretora do Serviço de Anestesiologia; e o Professor José Conde, cirurgião, e, na altura, diretor do Instituto Portu- guês de Oncologia Francisco Gentil (IPOFG), Centro de Lisboa, que também já não se encon- tra entre nós.
O Dr. Chichorro foi, sem dúvida, um dos gran- des impulsionadores nesta luta. Neurologista de formação, percebeu que a dor na doença onco- lógica não era só um epifenómeno. Ela autono- mizava-se, muitas vezes, e a ausência de um diagnóstico correto criava sofrimento no doente, que era preciso estudar, avaliar e tratar adequa- damente.
A Dra. Nair de Azevedo, uma das primeiras anestesistas portuguesas, de quem tive o gosto de ser discípulo e membro do seu Serviço, por ter percebido que um anestesista não se cir- cunscreve apenas às tarefas que lhe são espe- cíficas numa sala de operações, mas pode e deve transferir para fora destas a sua experiên- cia. E criou-me todas as possibilidades para que desenvolvesse trabalho e frequentasse estágios que, juntamente com o Dr. Chichorro, permitis- sem estabelecer as bases do que viria a ser a primeira Unidade de Dor do nosso país.
O Professor José Conde, por ter aprovado a nossa proposta e adequasse os meios necessá- rios à sua implementação
E assim se passaram 40 anos.
Quando começámos o panorama não era fácil. Eram tempos difíceis para os nossos doentes. Vivia-se um pouco na euforia que se instalou
na classe médica de então, dos grandes avan- ços das tecnologias, que pareciam tudo invadir
e com elas êxitos assinaláveis na cirurgia e em várias modalidades terapêuticas como a radio- terapia e a quimioterapia.
Avaliava-se o doente em função da sobrevida, mesmo que esta se traduzisse, muitas vezes, em escassos dias ou semanas, com grande sofri- mento, arrastando consigo familiares e amigos.
A cura da doença passou a ser o denomina- dor comum de toda a atuação em Medicina, parecendo até que os insucessos se deviam mais ao próprio doente do que à ineficácia das terapêuticas.
Em consequência, os doentes arrastavam-se pelas consultas, vítimas da doença e tratamen- tos, com quadros de grande desconforto e so- frimento.
A dor era uma constante física, por vezes lan- cinante, emocional, com quadros frequentes de depressão, arrastando tudo e todos, que se con- sideravam impotentes perante o que considera- vam uma inevitabilidade.
O arsenal terapêutico era escasso.
Acreditava-se, ainda, que a interrupção da via ascendente era a solução mais adequada para a maior parte dos casos e os doentes eram au- tenticamente massacrados com todo o tipo de bloqueios, a que não era avessa, naturalmente, a formação em anestesia dos pioneiros neste tipo de atividade.
Foi preciso redescobrir a morfina, já franca- mente utilizada e, em muitos casos criticada, nos hospícios ingleses sob a forma do Brompton cocktail.
Existia, nessa altura, no nosso instituto, uma fórmula parecida, chamada poção de morfina composta, mas que ninguém prescrevia.
Era constituída por morfina, cocaína, gin, mel e água cloroformada e, segundo as indicações da sua preparação, esta devia ser recente e não ultrapassar os 30 dias.
Havia que descobrir, redescobrir e criar.
Passados anos de aparente estagnação, quer na investigação quer na descoberta de novos fármacos, em parte fruto de uma mentalidade judaico-cristã que teimava em persistir, tinham surgido recentemente dois factos notáveis.
O primeiro facto foi a teoria do gate control de Melzack e Wall (o primeiro um psicólogo cana- diano, o segundo, um anatomista inglês), que postulam, em 1965, na revista Science, da As- sociação Americana para o Avanço da Ciência, que a dor não era apenas o simples resultado da ativação dos nociceptores, mas a modulação,
 Ex Director da Clínica de Dor Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil de Lisboa Lisboa
6 E-mail: jportela@sapo.pt
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