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por interação entre diferentes neurónios, da trans- missão de sensações álgicas e não álgicas.
Pela primeira vez, chamava-se a atenção para o corno posterior da medula como uma autênti- ca central algogénica, onde confluíam estímulos periféricos, mas também estímulos descendentes capazes de bloquear a passagem do estímulo.
Era um autêntico conceito cibernético em que não faltava sequer o envolvimento emocional e comportamental num verdadeiro feedback, e que conferia à dor uma grande complexidade.
O segundo facto foi a descoberta dos receto- res opioides.
Em 1973, Snider, Simon e Terenius, os dois primeiros americanos e o terceiro sueco, de- monstraram a existência de recetores no corpo humano capazes de poderem ser preenchidos por substâncias morfínicas.
A demonstração destes recetores, com vários tipos e subtipos veio, naturalmente, suscitar a pergunta: mas qual a razão pela qual o ser hu- mano nasceu com recetores para os alcaloides de uma papoila?
E surge assim, dois anos depois, em 1975, a resposta a esta pergunta, quando Hughes e Kosterlitz isolam na cabeça do porco as primei- ras morfinas endógenas a que chamam encefa- linas, posteriormente seguidas das endorfinas e dinorfinas.
Além destes eventos, há dois conceitos a que atribuo uma excecional importância e que vie- ram abrir mentalidades e modificar atitudes. Refiro-me aos conceitos de qualidade de vida e de Dor Total.
A expressão “qualidade de vida” parece vir dos primórdios da civilização, pois já os gregos se lhe referiam quando Platão coloca na boca de Sócrates a frase: “Há coisa pior do que a morte que é uma vida sem qualidade”. Aristóte- les comparava a qualidade de vida à felicidade.
Após a Segunda Guerra Mundial, com o cres- cimento económico e, sobretudo, industrial, este conceito passa a incluir outras áreas como a saúde, o que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a integrar no conceito de saúde noções de bem-estar físico, emocional e social, no fundo, um conceito de qualidade de vida tal como o entendemos nos nossos dias.
A introdução deste conceito em medicina foi fundamental.
A qualidade de vida, mais do que a quantida- de, passa a constituir o fim último de qualquer atuação em medicina, passando a acompanhar a introdução de novos fármacos e novas técni- cas e, ainda, na esfera da ética e boa prática médica.
O outro conceito importante foi o da Dor Total, criado por Dame Cecily Saunders.
Ao criar o conceito de dor total, Saunders veio chamar a atenção de que o ser humano não sofre apenas por danos físicos, mas também pelas consequências emocionais, sociais e es- pirituais próprias do sofrimento e pela proximi-
Dr. J.L. Portela: Conferência Inaugural
dade da morte. É o homo crucians da literatura, que envolve toda a sua personalidade como que atraindo todo o sofrimento do mundo para si.
Este conceito holístico da dor, em que o todo não é só a soma das partes, mas mais do que isto, veio modificar totalmente a abordagem clí- nica da dor, tanto em termos de avaliação como tratamento, e ainda a necessidade de se criarem equipas multidisciplinares, interdisciplinares ou transdisciplinares, capazes de darem resposta adequada ao doente em sofrimento, já, aliás, preconizadas por Bonica, Alexander e outros precursores das Unidades de Dor. Este concei- to, em conjunto com o de qualidade de vida, esteve, também, na base do movimento dos Cui- dados Paliativos, sendo justo realçar entre nós a Unidade de Dor e Cuidados Paliativos do Hos- pital do Fundão, dirigida pelo meu Amigo Dr. António Lourenço Marques.
As décadas de 80 e 90 foram pródigas em factos e descobertas no campo da dor. Realço, fundamentalmente, três:
A primeira foi a publicação da brochura Can- cer Pain Relief, em 1986, e, curiosamente, tra- duzida para português pela Liga Portuguesa contra o Cancro, Núcleo Regional de Coimbra, um ano depois, em 1987. Nesta brochura pre- conizava-se uma escada de ação analgésica, com três degraus, começando o primeiro com analgésicos não opioides; o segundo com opioi- des fracos; e o terceiro com opioides fortes. Em todos os degraus se preconizava a utilização de substâncias adjuvantes, assim como no segun- do e terceiro degraus a possibilidade de se as- sociarem analgésicos não opioides.
Foi uma autêntica pedrada no charco.
Pela primeira vez se desmitificava o uso de opioides, que deviam ser utilizados não pela evolução da doença mas pela persistência da dor, o que, na altura, podia considerar-se revo- lucionário. Também aí se preconizava, essen- cialmente, para o doente oncológico, frases como: “by mouth, by dosis, by ladder”, ou “right dose, right time, right patient” – o que implicava uma avaliação e uma reavaliação constantes.
O segundo facto foi a introdução de novos fármacos como a buprenorfina por via sublin- gual, em 1983; a morfina oral de libertação len- ta, em 1985; o fentanil por via transdérmica, em 1998, e o fentanil transmucoso para a dor irrup- tiva, já em 2001; como também novas formas de administração de medicamentos através de téc- nicas invasivas como as vias epidural, intratecal e interpleural.
O terceiro facto foi o extraordinário avanço na investigação básica, particularmente ao nível
das prostaglandinas, que conferem a Sir John
Vane o prémio Nobel da Medicina, em 1982;
bem como os estudos sobre a sensibilização
dos neurónios do corno dorsal e o conceito, in- troduzido por Clifford Wollf, da pré-emptive anal-
gesia, em 1983, que pode evitar a cronicidade
da dor aguda pós-operatória e a sua manutenção. 7
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