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Dor (2018) 26
Começa também a despontar o conceito de translação, isto é, a passagem da investigação básica para a clínica. Embora muitas vezes esta situação não seja evidente, um tratamento ade- quado ao doente não deve ser apenas clínico. É fundamental que este assente em estudos cri- teriosos e controlados que justifiquem as várias opções terapêuticas. É o caso do estudo do sistema nervoso e, em particular, dos efeitos moduladores, excitatórios ou por inibição, que podem constituir um extraordinário avanço na procura de substâncias que possam ter essa ação. A Prof. Deolinda Lima, da Faculdade de Medicina do Porto, afirmava há tempos que a translação deve ser tão natural como a água que brota das fontes num intercâmbio permanente entre a investigação e a clínica.
A década de 90 foi também uma década rea- lizações e divulgação.
É criada a Associação para o Estudo da Dor (APED) – e aqui gostaria de realçar o Dr. Nestor Rodrigues, infelizmente já falecido, e criador da segunda Unidade de Dor no IPO do Porto.
A nível internacional, é fundada a European Pain Federation (EFIC) e a Sociedade Espanho- la de Dor (SED).
Portugal publica a sua primeira revista, DOR, e Espanha a revista Dolor – as primeiras revistas da Península Ibérica dedicadas exclusivamente ao estudo e tratamento da dor.
Em 1995, a dor é equiparada ao “quinto sinal vital”, de registo obrigatório nas instituições hos- pitalares, chamando a atenção para a dor não visível ou não relatada e, como tal, não tratada ou subtratada.
Nesse mesmo ano é instituído, por decreto ministerial, o Dia Nacional da Luta contra a Dor. Tinham, entretanto, proliferado as Unidades de Dor em Portugal, embora com estruturas or- ganizativas muito diferentes, em consequência de vários constrangimentos – pessoal, instala- ções, equipamentos – que ainda hoje persistem. É exatamente nos finais da década de 90 – 1997, 1998 – que, em conjunto com o meu ami- go Dr. João Mota Dias, da indústria farmacêuti- ca, também já falecido, decidimos, pela primeira vez, fazer uma abordagem sobre a situação da dor em Portugal em termos organizativos. Con- cluímos, através de um inquérito enviado a todos os hospitais, que as Unidades de Dor se situa- vam na ordem dos 50%, em grande parte muito rudimentares; em termos organizativos, apenas um escasso número se poderia classificar como Clínicas Multidisciplinares de Dor, segundo o cri- tério baseado numa task force da IASP, de 1990, como foi o nosso caso. Deixem-me dizer que só em 2017, é criado um Centro Multidisciplinar de Dor no Hospital Garcia de Orta, sob a orientação da minha amiga Dra. Beatriz Gomes, a quem
desejo os maiores êxitos.
Já neste século, em 2004, é criada a compe-
tência em Medicina da Dor pela Ordem dos Mé- 8 dicos.
É, também, nesta década que é criado o Pla- no Nacional para o Controlo da Dor que se in- sere no Plano de Saúde 2004-2010.
Em 2002 inicia-se, na Faculdade de Medicina do Porto, sob a orientação do Prof. Castro Lo- pes, o primeiro curso de Medicina da Dor, que se tem mantido ao longo dos anos, e nos quais colaborei até 2015. Em 2011 é criada a Cátedra de Medicina da Dor, a cargo do mesmo Profes- sor e, atualmente, Diretor do Departamento de Biomedicina da mesma Faculdade.
A nossa Unidade foi, desde o seu apareci- mento, uma unidade multidisciplinar, agregando médicos (anestesiologistas, neurologistas e in- ternistas), psicólogos, enfermeiros, bem como técnicos administrativos e auxiliares de ação médica, dispondo de instalações próprias, hos- pital de dia e, ainda, uma linha aberta telefónica para informação e aconselhamento aos doentes e seus familiares. Também, praticamente desde o seu início, a Unidade de Dor do IPO de Lisboa foi campo de estágio de médicos, psicólogos e enfermeiros.
Entre 2010 e 2012, no âmbito de uma parceria com a Unidade de Missão e Cuidados Continua- dos e Integrados e a Fundação Calouste Gul- benkian, a nossa Unidade ministrou formação avançada em dor crónica, a nível nacional.
Em 2007, alguns elementos da nossa Unidade criam a Associação Nacional para o Estudo da Dor Oncológica (ANEDO). Esta Associação es- teve na base de algumas realizações desta Uni- dade, dos quais destaco três cursos relaciona- dos com dor oncológica, como também a publicação do Manual de Dor Crónica, em cola- boração com a Fundação Grünenthal, em 2012, e revisto em 2017.
Em 2009, nas VI Jornadas sobre Dor desta Unidade, evento que precedeu a minha aposen- tação, dizia na Conferência de Abertura:
«Julgo que estamos numa fase do desenvol- vimento e do progresso científico em que o aca- so ou a experimentação ocasional são cada vez mais reduzidos. Cada vez mais, a investigação procura antecipar-se ao imprevisto, formular hi- póteses e propor soluções, melhorando a eficá- cia e diminuindo os efeitos secundários, numa autêntica terapêutica adaptada e medida pelo doente», e dava como exemplos estudos sobre a neuróglia e o sistema canabinoide
Infelizmente, parece não ter havido, nestes últimos anos, particular desenvolvimento nestes dois itens. As células não neuronais, em par- ticular, a neuróglia, continuam a ser uma preo- cupação dos investigadores, embora não te- nham surgido novos conceitos ou novos fármacos. Quanto ao sistema canabinoide, a discussão atual parece ter enveredado pela discussão política como tema fraturante e a sua utilização indiscriminada, deixando de parte uma investigação séria sobre o seu verdadeiro papel como intermediário ativo na terapêutica da dor.
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