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Dor (2018) 26
A dor crónica e a relação tempo/espaço
Quando escutamos a pessoa portadora de DC, observamos-lhe uma fratura na sua continui- dade temporal:
Aparece um «antes da DC» e um «depois da DC». A pessoa queixa-se que antes de sofrer de DC a sua vida era uma, e depois de pade- cer de DC a sua vida tornou-se outra.
A perceção das suas coordenadas espaço/ tempo transtorna-se. O que era fácil tornou-se difícil, o que era perto tornou-se longe e o rápi- do tornou-se lento. A pessoa fica vulnerável, demasiado sensível às exigências exteriores, vivenciando-as como ameaça à sua estrutura, e ao sentimento de pertença.
O foco da sua atenção, potencialmente, fica prejudicado. A pessoa fica mais atenta ao agen- te stressor, a dor, em detrimento dos outros as- petos da vida.
O medo predomina. O evitamento e a passivi- dade poderão ser as estratégias mais utilizadas. A dor assume um caráter hipnotizante. Absor- ve, para si, a atenção e o foco, com consequen- te desinvestimento dos vínculos afetivos e pa-
péis psicossociais.
A consciência fica, tendencialmente, seques-
trada e centrada na experiência dolorosa.
Aqui temos o terreno fértil para a intrusão de pensamentos catastróficos e para a alienação
emocional.
Então, o círculo da dor contrai e vicia-se cada vez mais!
Alterados os referenciais corpo-espaço e o sentimento de confiança-segurança, a pessoa fica confrontada com uma mudança difícil e com a necessidade de ter uma rede robusta, que nem sempre é a realidade frequente. Ainda mais nesta sociedade do século XXI, que, no seu modelo veloz quantitativo e competitivo, não tem tempo para esperar por nada nem por ninguém.
A imprevisibilidade e o descontrolo da dor são fontes de quadros psicopatológicos de ansieda- de e depressivos, requerendo intervenções psi- coterapêuticas específicas.
A pessoa com limitações funcionais e emocio- nais fica, potencialmente, excluída e rotulada pela (psico)patologia. A par do medo da suces- são de pequenas catástrofes e agravamento do seu adoecer.
Que paradigma a disponibilizar?
Partindo-se do pressuposto da DC ser uma experiência que põe em causa os limites da pessoa que a sofre, adoecendo-a no seu todo e singularidade, urge a necessidade de um para- digma que apele a um lugar amplo onde se contenha e promova a integração da desorgani- zação psicossomática, através das diversas va-
14 lências terapêuticas.
Não havendo causalidades lineares para o tratamento da DC, não existe uma só resposta, mas, sobretudo, um processo. Há um conjunto de respostas às várias necessidades do doente. É necessário um cruzamento das várias inter- venções: médicas, enfermagem, psicologia, psi- comotricidade, musicoterapia, nutrição e aber- tura para outras complementaridades.
A instauração de um trabalho de equipa que apela aos movimentos unificadores, de coope- ração de síntese, está na base do plano tera- pêutico integrado (que contempla as diferenças e singularidades de cada doente com DC), pos- tulado e defendido pelo Centro Multidisciplinar Dor Dra. Beatriz Craveiro Lopes.
Nesta filosofia, a psicologia do Centro Multi- disciplinar de Dor Dra. Beatriz Craveiro Lopes (CMDBCL) optou por integrar a musicoterapia na intervenção do psicodrama de um grupo de pessoas com DC. Esta, como um ego-auxiliar que amplia o veículo da expressão emocional e a exploração da criatividade e espontaneidade humanas.
O psicodrama e a musicoterapia oferecem um lugar para as múltiplas e subjetivas expressões da dor: ritmo, intensidade, lugar corporal, nova narrativa, relações interpessoais e toda a com- plexidade psíquica envolvente.
Se é verdade que o corpo está sempre pre- sente no contexto hospitalar, no setting psicote- rapêutico também o está. O corpo desdobra-se em vários planos: o corpo real e, por vezes, hi- per-real, para a sua representação psíquica, para a sua comunicabilidade e aceitação.
A psicologia lida com o universo da represen- tação mental, das várias realidades, contendo os componentes afetivo, cognitivo e as relações interpessoais significativas, na história (re)cons- truída de cada um. O sintoma dor, no âmbito psicoterapêutico, liga-se ao sofrimento. Dói no corpo, sofre-se na mente.
A integração de técnicas psicoterapêuticas (como distração, relaxamento, psicoterapia indi- vidual e psicodrama de grupo e musicoterapia) tem-se revelado uma mais-valia no plano tera- pêutico integrado do CMDBCL.
Temos observado que a pessoa com DC é atraída para a hipervigilância dos aspetos fisio- lógicos, cognitivos e emocionais da dor. Este movimento psíquico tende a focar-se excessiva- mente nela, que potencia intoxicação psíquica, pelo excesso de ansiedade, humor depressivo, incompreensão, medo, exclusão, pensamentos catastróficos compulsivos.
Ana Gomes, na Abordagem Psicológica no Controlo da Dor2, citando David Barlow, diz-nos que acerca desta realidade existe uma excessi- va preocupação com as sensações somáticas aversivas, cada nova sensação tende a ser perspetivada como um indicador de deteriora- ção ou novo problema de saúde; a focalização da atenção acaba por ser feita quase exclusiva- mente sobre o corpo físico, estando dificultada
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