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ta de disfunção do SDVP. As restantes TC-CE foram realizadas pela presença dos seguintes sinais de alarme: despertar noturno em seis, recorrência de dor intensa em dois, vómitos ma- tinais e agravamento com manobra de valsava em um, síncope em um, hemianopsia em um, dor ocular em um, alteração da visão não espe- cificada em um, diplopia em um, dor muito in- tensa em um.
Terapêutica
Mais de metade das crianças/adolescentes, 51 (75%) realizaram terapêutica analgésica oral no domicílio, mas sem resolução do quadro. Realizaram terapêutica na UPed; após observa- ção médica, 34 (50%) crianças/adolescentes e 5 (7,3%) doentes realizavam terapêutica profilá- tica para cefaleia prescrita em consulta de es- pecialidade. Os fármacos analgésicos mais uti- lizados antes da admissão foram paracetamol e/ ou ibuprofeno em 46 (67,5%), naproxeno em 2 (2,9%), metamizol de magnésio, nimesulide e ácido acetilsalicílico em 1 (1,5%). Na UPed, os fármacos utilizados foram paracetamol e/ou ibu- profeno por via oral em 20 (29,4%), paracetamol endovenoso em 8 (11,8%), metamizol de mag- nésio endovenoso em 5 (7,4%) e tramadol em 1 (1,5%). A via endovenosa foi utilizada em 14 (20,6%) casos. No momento da alta, 28 (41,2%) crianças mantinham dor.
Follow-up
Durante os seis meses seguintes, 19 (27,9%) crianças/adolescentes recorreram novamente a cuidados de saúde (urgência hospitalar ou mé- dico assistente) por cefaleia: 11 (57,9%) recor- reram uma vez; 3 (21,1%) recorreram duas ve- zes e 5 (26,3%) três vezes.
Foram referenciados à consulta de Neurope- diatria 41 (59,4%) crianças e 1 (1,5%) à consul- ta de Medicina da Adolescência, tendo em con- ta quadros mais arrastados no tempo e/ou de cefaleia mais intensa. Destas, 19 (27,9%) inicia- ram terapêutica profilática.
Discussão
A prevalência da queixa de cefaleia na Uped durante o período do estudo foi de 1,4%, o que está de acordo com os dados de estudos inter- nacionais que reportam prevalências entre 0,58 e 1,3%3,4 mas é ligeiramente superior ao repor- tado em outros estudos nacionais, nos quais a prevalência é de 0,954-0,9%15.
As principais etiologias identificadas foram ce- faleia secundária a infeção respiratória alta ou gastroenterite aguda e cefaleia primária, o que está de acordo com a bibliografia3,4,8. Não foram identificadas infeções ou tumores do sistema nervoso central. O único caso de cefaleia asso- ciada a patologia intracraniana grave foi causa-
12 do por uma disfunção de SDVP condicionando
hidrocefalia aguda numa criança com patologia prévia.
A mediana de idade da cefaleia secundária foi de 8 anos vs. 11 anos no grupo com cefaleia primária, o que está de acordo com a distribui- ção etária das principais etiologias de cefaleia: infeções extracranianas nas crianças mais no- vas e aumento da incidência de enxaqueca nos adolescentes1,2,6. No entanto, a enxaqueca ou os seus equivalentes migranosos podem estar presentes desde os primeiros meses de vida6.
Constatou-se uma elevada taxa de registos incompletos. A realização de fundoscopia, que não se realiza por rotina na UPed, essencial para exclusão de papiledema e hipertensão intracra- niana, deveria ser integrada no exame objetivo de rotina e treinado pelos pediatras gerais, na
18 avaliação de crianças com cefaleia .
Relativamente aos exames complementares
de diagnóstico, realizaram-se no total 26 (17%)
TC-CE e nos doentes com cefaleia primária rea-
lizaram-se 19 (28%). Noutras séries, a percenta-
gem de exames de neuroimagem realizados na
abordagem de doentes com cefaleia em contex-
to de urgência é bastante variável, desde 7,3 a
3,4
40,8% . A presença de doentes complexos,
nomeadamente com SDVP, associada a uma in- correta valorização de sinais de alarme e a uma sobrevalorização de determinados sintomas que na realidade correspondiam a aura, são fatores que podem explicar o elevado número de exa- mes realizados. Para além disso, à data da rea- lização deste estudo, não existia apoio de Neu- ropediatria na UPed, o que também pode condicionar a sobrevalorização destes sinais e sintomas. A realização de TC-CE deve ser crite- riosa, uma vez que a exposição a radiação não é inócua20,21. Perante uma crise migranosa que se acompanhe de défice neurológico focal, he- miparesia ou alterações do estado de consciên- cia e, sobretudo, se se tratar de um primeiro episódio associado a sinais de alarme, justifica- -se a realização de neuroimagem para exclusão de outras etiologias6.
Os objetivos do tratamento da cefaleia primá- ria, nomeadamente da enxaqueca, consistem no alívio sintomático e na capacitação do doente para o controlo da doença8,22. De acordo com estes dados, verifica-se um tratamento insufi- ciente da cefaleia, quer no domicílio quer na UPed, o que se traduziu numa taxa importante de crianças/adolescentes com dor no momento da alta.
Constatou-se uma elevada taxa de referencia- ção à consulta de Neuropediatria, devendo esta ser reservada para os casos mais graves e/ou mais frequentes6. A elevada taxa de recorrência a serviços de saúde pela mesma queixa espelha o caráter crónico e recorrente da cefaleia, assim como a dificuldade em capacitar os doentes para a sua gestão. Explicar o diagnóstico, aju- dando na identificação de fatores desencadean- tes, as medidas terapêuticas na crise e a proba-
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