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Dor (2018) 26
Fatores associados à hiperalgesia induzida pelos opioides
Parece existir uma correlação direta entre a dose de opioide e a incidência de HIO5. Em dois estudos prospetivos, demonstrou-se que a ad- ministração intraoperatória de doses mais eleva- das de opioides está associada a scores de dor mais elevados e maior consumo de opioides no pós-operatório3,6,12. Contudo, existem estudos que relatam o seu aparecimento com a utilização de doses baixas de remifentanil e morfina13,14.
A fórmula molecular parece ser importante para a génese de HIO. Outro fator implicado é a curta duração da ação do opioide, como é o caso do remifentanil15,16. Por outro lado, na maioria dos estudos sobre HIO em contexto de dor crónica, o opioide desencadeador é a mor- fina, levando à possibilidade do metabolito morfina-3-glicuronídeo estar implicado4. Além disso, existe sensibilidade cruzada com outros opioides6.
A HIO correlaciona-se com a administração prolongada de opioides5. O consumo crónico de morfina oral durante quatro semanas associou- -se ao desenvolvimento de hiperalgesia4. Toda- via, existem alguns estudos que demonstram o aparecimento de hiperalgesia em doentes após a administração de opioide por um curto período ou durante o período intraoperatório5,12,15.
As diversas vias de administração estão impli- cadas na HIO5. A dor ocorre durante a infusão contínua do opioide, contrariando a hipótese de que a alteração sensitiva está associada à sus- pensão do opioide11.
Diagnóstico da hiperalgesia induzida por opioides
Os mecanismos que levam ao desenvolvimen- to da HIO ainda são pouco claros, pelo que ainda não se formularam critérios ou guidelines oficiais para o diagnóstico de HIO3. Recente- mente, Eisenberg sugeriu uma série de critérios clínicos para o diagnóstico de HIO17.
O diagnóstico da HIO é difícil. A redução da eficácia analgésica pode dever-se à tolerância ao opioide, HIO ou ambas. Também pode ser confundida com a suspensão aguda de opioi- des cujos sintomas podem mimetizar a HIO. A HIO deve ser considerada quando o aumento repetido da dose não consegue promover um efeito analgésico, provoca exacerbação da dor ou o surgimento de hiperalgesia/alodinia em local não associado à dor prévia, após exclu- são de outras causas, nomeadamente progres- são da doença de base ou uma lesão aguda de novo4,5.
A dor é mais intensa do que a dor original, pouco definida em termos de qualidade e loca- lização, e exibe um limiar diminuído6. A avalia- ção da hiperalgesia pode ser feita através do limiar de dor a um estímulo mecânico ou com o
Abordagem e modulação da hiperalgesia induzida pelos opioides
O processo de avaliação e tratamento do doente com dor crónica e suspeita de HIO pode ser bastante lento e desafiante, com diminuição temporária da qualidade de vida do doente e necessidade de múltiplas consultas. A titulação do opioide pode revelar padrões de aumento ou diminuição da hiperalgesia.
Reduzir ou trocar o opioide são estratégias adotadas para prevenir ou tratar HIO, embora não exista evidência clara para as mesmas5. A rotação de opioides assenta no pressuposto de que a sensibilização cruzada dos opioides é incompleta, permitindo uma redução da dose administrada para um melhor efeito analgési- co4,18. A buprenorfina é um agonista opioide com atividade antagonista dos recetores κ, opondo-se à ação da dinorfina, que apresenta atividade anti-hiperalgésica, pelo que pode ser eficaz no controlo da HIO7.
Outras opções incluem o uso concomitante de baixas doses de antagonistas opioides ou de antagonistas de recetores NMDA. A inibição dos recetores NMDA pode impedir ou reduzir o de- senvolvimento de HIO. Há evidência de que do- ses baixas de cetamina podem modular a HIO19. A metadona é um agonista opioide que apresen- ta um franco antagonismo NMDA e em vários estudos melhorou significativamente a HIO, após rotação para este opioide4,20. Contudo, em estu- dos com doentes toxicodependentes sob meta- dona, esta parece ter um papel no desenvolvi- mento/agravamento da HIO3. A naloxona, como antagonista opioide puro, demonstrou em estu- dos animais promover os efeitos antinocicepti- vos dos opioides mas não demonstrou modula- ção dos efeitos da HIO21.
A estratégia mais usada para evitar tolerância e hiperalgesia do opioide é o uso concomitante de outros analgésicos, anticonvulsivantes, anti- depressivos ou de técnicas invasivas, adotan- do uma abordagem multimodal da dor5. Os inibidores de COX-2 (cicloxigenase-2) parecem promover inibição da hiperalgesia por estimu- lação da recaptação de glutamato no corno dorsal da medula espinal, além de bloquearem os recetores NMDA5. A pregabalina, clonidina e dexmedetomidina administradas no intraope- ratório demonstraram eficácia na prevenção da hiperalgesia e diminuição do consumo de opioi- des20.
O propofol tem sido proposto como protetor da hiperalgesia, através da sua ação nos re- cetores ácido gama-aminobutírico (GABA) su- praespinhais22.
Conclusão
À medida que a prescrição de opioides au- menta no tratamento da dor crónica, a HIO tor- na-se cada vez mais relevante. Apesar do de- bate acerca da existência ou não da HIO, a
20 teste de tolerância ao frio5.
DOR