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Introdução
Os opioides são fármacos fundamentais no tratamento da dor moderada a intensa. Embora o seu objetivo terapêutico consista na analgesia, há evidência de que os opioides causam hipe- ralgesia1.
A International Association for the Study of Pain (IASP) define hiperalgesia como uma sensibilida- de álgica aumentada a um estímulo doloroso2.
A hiperalgesia induzida pelos opioides (HIO) é um estado de potenciação da sensibilidade álgica a estímulos dolorosos em doentes sob terapêutica com opioides. Historicamente, o fe- nómeno de HIO foi inicialmente descrito no século XIX, como um efeito paradoxal de exa- cerbação da sensibilidade álgica com a utiliza- ção de opioides3.
A apresentação da HIO com a utilização cró- nica de opioides carateriza-se por um efeito an- tinociceptivo inicial, e subsequente perda do efeito terapêutico e hiperalgesia progressiva3. Em termos gerais, vai ocorrer um desequilíbrio entre as vias nociceptivas e antinociceptivas4.
vem analgesia alteram-se com o tempo de tal forma que potenciam a nocicepção. É provável que haja contribuição de múltiplos fatores e mecanismos neurobiológicos para a HIO. Além disso, as alterações celulares ocorrem em vá- rios locais anatómicos, desde o neurónio afe- rente da medula espinhal à glia, aos núcleos encefálicos e às vias moduladoras descenden- tes3,4.
Sistema glutaminérgico central
A ativação do sistema glutaminérgico central está envolvida nos mecanismos de HIO7. A ex- pressão diminuída dos transportadores de glu- tamato origina um aumento dos níveis deste neurotransmissor excitatório no corno dorsal da medula e, consequentemente, leva ao aumento da atividade dos recetores N-metil-D-Aspartato (NMDA). Os recetores NMDA ativados pelo glu- tamato levam à entrada de cálcio na célula e consequente sensibilização central e inativação de recetores opioides1,8,9.
Dinorfina
A administração de opioides provoca um au- mento de dinorfina, um opioide endógeno, que pode ser um dos responsáveis pela HIO. A dinorfina espinhal é pró-nociceptiva e há evidên- cia de que provoca libertação de neurotransmis- sores e péptidos excitatórios dos neurónios afe- rentes primários, promovendo a ampliação da aferência sensitiva nociceptiva6,11.
Péptidos excitatórios
O aumento da expressão de péptidos excita- tórios (péptido relacionado ao gene da calcito- nina [CGRP], substância-P, nociceptina) a nível da medula rostral ventromedial potencia o input nociceptivo e está implicado no processo de hiperalgesia9,10.
Facilitação descendente
Outro mecanismo envolve a ativação das vias descendentes facilitadoras da dor pela ação dos opioides em on cells localizadas na medula ros- tral ventromedial11.
Recetor opioide
A exposição crónica aos opioides pode alterar a resposta do recetor, que passa de uma res- posta inibitória, com hiperpolarização da célula neuronal, para uma resposta excitatória que pode contribuir para a hiperalgesia23.
Existem outros mecanismos potencialmente implicados na génese da HIO como a libertação
de citocinas, ativação da cicloxigenase (COX) e
da óxido nítrico sintase e redução do controlo inibitório glicinérgico5. 19
Métodos
Revisão bibliográfica a partir do motor de pes- quisa PubMed com os termos MeSH Hyperalge- sia AND Opioid AND Induced com data de pu- blicação entre 2000 e 2017.
Tolerância e hiperalgesia
A eficácia da terapêutica opioide pode ser li- mitada pela ocorrência de duas situações clíni- cas: a HIO e a tolerância.
A hiperalgesia está associada a uma sensibi- lização central, com redução do limiar da dor, ampliação do campo recetivo e aumento da res- posta a um estímulo nocivo. Na HIO, o efeito analgésico diminui ao longo do tempo com uma determinada dose de opioide, não havendo me- lhoria com o aumento da dose –5pelo contrário, pode haver agravamento da dor .
Tolerância é o fenómeno em que a exposição ao opioide leva gradualmente à diminuição do seu efeito, sendo necessárias doses cada vez maiores para mantê-lo. Reflete a dessensibiliza- ção da via antinociceptiva5.
Farmacologicamente consistem em dois fenó- menos distintos que podem envolver mecanis- mos celulares opostos, com dessensibilização (tolerância) e sensibilização (HIO)6. Contudo, na prática clínica, a distinção dos dois fenómenos é difícil. Ambos podem coexistir e há evidência de que a tolerância e a hiperalgesia comparti- lham vários mecanismos celulares e alguns sis- temas de neurotransmissores e recetores1.
Fisiopatologia da hiperalgesia induzida pelos opioides
Na HIO, os sistemas neurobiológicos que ini- cialmente respondem aos opioides e promo-
R. Inácio, J. de Jesus: Hiperalgesia Induzida pelos Opioides: Mito ou Realidade?
DOR





































































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