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Dor (2018) 26 Dor Crónica Pós-Cesariana: Fisiopatologia, Epidemiologia, Fatores de Risco e Impacto Psicossocial Rita Inácio1, João Ribeiro1 e Janete de Jesus2 Resumo De acordo com a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), a dor crónica pós-operatória (DCPO) define-se como a dor que persiste por mais de três meses após a cirurgia, de forma contínua ou intermiten- te, excluindo-se outras causas para a sua ocorrência1. A DCPO tem sido descrita como complicação de vários procedimentos cirúrgicos. A cesariana é uma das cirurgias mais frequentemente realizadas na atualidade, com uma taxa nos países ocidentais de cerca de 30% dos partos realizados2. A cesariana tem sido associa- da ao surgimento de dor crónica pélvica, algumas vezes debilitante e com prejuízo da qualidade de vida da mulher3. No entanto, só recentemente, devido à taxa crescente de cesarianas realizadas, é que a problemá- tica da dor crónica pós-cesariana e o seu impacto têm sido estudados4. Palavras-chave: Dor crónica. Cesariana. Dor crónica pós-operatória. Abstract According to the International Association for the Study of Pain (IASP), chronic postoperative pain is defined as pain persisting for more than three months after surgery, continuously or intermittently, after excluding other causes for its occurrence1. Chronic postoperative pain has been described as a complication of seve- ral surgical procedures. Caesarean section is one of the most frequently performed surgeries nowadays, with an incidence of 30% of all deliveries in Western countries2. Caesarean section has been associated with the occurrence of chronic pelvic pain, which can be debilitating therefore impairing women quality of life3. Only recently, due to the increasing rate of caesarean sections performed, is the problem of post-caesarean chro- nic pain and its impact being studied4. (Dor. 2018;26(3):15-7) Corresponding author: Rita Inácio, rita.g.inacio@gmail.com Key words: Chronic pain. Caesarean. Postoperative chronic pain. Fisiopatologia A lesão tecidual cirúrgica é uma causa fre- quente de dor crónica5. A DCPO pode tratar-se de uma dor inflamatória persistente ou, na gran- de maioria dos casos, de uma dor neuropática. A dor inflamatória consiste no aumento da sensibilidade à dor que ocorre em resposta à 1Médica interno de formação específica em Anestesiologia 2Médica assistente de Anestesiologia Departamento de Anestesiologia, Reanimação e Terapêutica da Dor Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, Amadora E-mail: rita.g.inacio@gmail.com lesão tecidual e inflamação. Após uma incisão, a libertação de mediadores inflamatórios resulta numa sensibilização periférica, levando a uma diminuição do limiar de ativação dos nocicepto- res da área lesada. Além disso, a estimulação nervosa aferente continuada dos tecidos lesa- dos vai promover a sensibilização de neurónios centrais, o que leva a respostas exageradas aos estímulos sensitivos6,7. Estas alterações são tem- porárias, reversíveis e a sensibilidade normal do sistema é eventualmente restaurada. A dor infla- matória é responsável pela dor pós-operatória até à cicatrização da ferida cirúrgica. Se existir um foco de inflamação persistente, a dor irá também persistir8. A dor neuropática surge após lesão dos ner- vos periféricos ou do sistema de transmissão 15 DOR