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Dor (2018) 26
Musculo psoas maior
L4
Figura 1. Esquema de corte axial a nível de L4.
gem para se perceber qual a real causa da ineficácia do bloqueio epidural, sendo este um diagnóstico de presunção. Num estudo onde se realizaram epidurogramas após colocação de cateteres epidurais pela técnica de perda de resistência, pôde constatar-se que, em grande número de casos, o cateter não se encontrava no local presumido2, mesmo após ter sido cor- retamente alcançado o espaço epidural. Deve, nestes casos, colocar-se a hipótese de que, mesmo após correta identificação do espaço epidural, o cateter possa seguir um trajeto erró- neo à medida à medida em que se avança, nomeadamente entrando e saindo do espaço epidural, podendo instalar-se em estruturas aci- ma ou abaixo do local de colocação3.
Anatomicamente, existem várias estruturas próximas da coluna lombar e uma dessas é o músculo psoas maior (Fig. 1). Este tem origem nos corpos vertebrais de L1 a L4 e apófises transversas de T12 a L5, situando-se o plexo lombar na sua parede posterior. Juntamente com o músculo ilíaco, formam o músculo psoasilíaco.
Apresentamos um caso clínico de bloqueio epidural insuficiente, numa doente seguida em consulta de Dor Crónica de origem oncológica, por migração do cateter epidural para o múscu- lo psoas maior (Fig. 1).
Caso clínico
Mulher, 42 anos, com diagnóstico de carcino- ma do colo do útero localmente avançado (FIGO [Fédération Internationale de Gynécologie et d’Obstétrique] IIB)4, referenciada à Unidade de Dor Crónica por dor constante no hipocôndrio direito e na região suprapúbica, agravada com manobra de valssalva. Como antecedentes pes- soais de relevo, apresentava história de tabagis- mo ativo e síndrome depressiva. Estava medica- da com ibuprofeno 1.800 mg, paracetamol 3.000 mg, clomipramina 15 mg, propranolol 20 mg, diazepam 20 mg, quetiapina 400 mg e paroxe- tina 40 mg. Em consulta de Dor, foi tentada oti- mização da terapêutica analgésica, tendo sido
28 introduzida pregabalina (até 500 mg), amitriptili-
na 10 mg, metamizol 1.725 mg e fentanil transmu- coso 600 mg em SOS. A doente não teve alívio consistente e satisfatório da dor, pelo que se complementou com analgesia do neuroeixo.
Em decúbito lateral direito, através da técnica da perda de resistência, foi colocado um cateter epidural a nível de L3-L4 com introdução de 4 cm no espaço epidural. O cateter foi tuneliza- do através da pele para minimizar as hipóteses de se exteriorizar. Foi administrado bólus de morfina 5 mg e metilprednisolona 40 mg, perfa- zendo um volume de 10 ml com soro fisiológico. Após cinco minutos, a doente referia alívio sig- nificativo da dor. Uma hora depois, a intensidade da dor era 1 em 10. Todos os sinais vitais esta- vam normais e não havia nenhum défice motor ou sensitivo, pelo que a doente teve alta para o domicílio com um DIB com morfina 0,1 mg/ml (30 mg) e ropivacaína 1 mg/ml (300 mg) a per- fundir por via epidural ao ritmo de 5 ml/h.
Em dia dois após colocação do cateter, a doente volta à Unidade de Dor Crónica por re- corrência de dor intensa, tendo necessitado de analgesia de resgate com fentanil transmucoso na dose de 3.600 mg em 24 horas. Na observa- ção clínica é constatado que o cateter se encon- trava permeável e que não estava exteriorizado. Foi administrado bólus com ropivacaína 2 mg/ml (8 ml) e morfina 2 mg perfazendo volume de 10 ml, com alívio significativo da dor após alguns mi- nutos. Decidido duplicar a dose de morfina no DIB com o mesmo ritmo de perfusão, sendo dada indicação à doente para contactar a Uni- dade de Dor Crónica caso ressurgisse a dor. A doente retorna em dia 8, 11 e 17 após colocação do cateter por dor pélvica intensa, mantendo-se o cateter funcionante e na mesma posição, ten- do sido progressivamente aumentada a concen- tração morfina até um máximo de 0,4 mg/ml (120 mg) e ropivacaína até 2,1 mg/ml (650 mg), com ritmo de infusão fixo de 5 ml/h. Por manu- tenção da dor, foi decidido internamento e ini- ciada analgesia endovendosa com quetamina e morfina. Apesar de se encontrar permeável e aparentemente não deslocado, o cateter foi reti- rado. Foi colocado um novo cateter no espaço intervertebral L3-L4 pela mesma técnica usada anteriormente, tendo sido introduzidos 4 cm no espaço epidural no sentido caudal. O novo ca- teter foi tunelizado. Após administração de um bólus de ropivacaína 2 mg/ml num total de 10 ml via epidural, a doente referiu alívio da dor, mantendo-se o DIB com a mistura prévia para manutenção de analgesia. Contudo, menos de 24 horas após colocação do cateter, a doente refere recorrência da dor em elevada intensida- de. Foi, então, colocada a hipótese de que o cateter não estivesse no espaço epidural e para se confirmar essa hipótese foi administrado con- traste rádio-opaco via epidural e realizada uma tomografia computorizada abdominopélvica. O exame confirmou as suspeitas: o músculo psoas maior esquerdo captou contraste e foi possível
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