Page 10 - APED 2018 N2
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Introdução
A cefaleia é um sintoma comum nas crianças e adolescentes. Uma revisão sistemática realiza- da em 2010 reportou uma prevalência global de
1 cefaleia em idade pediátrica de cerca de 60% .
É ligeiramente mais frequente no sexo masculino
abaixo dos sete anos de idade, com inversão
2
desta relação na puberdade . Na adolescência,
27% das raparigas e 20% dos rapazes apresen-
2
tam cefaleia grave ou recorrente . É uma causa
comum de recorrência ao serviço de urgência,
gerando muita ansiedade nas crianças e cuida-
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dores , constituindo entre 0,58 a 2% dos motivos
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de ida ao serviço de urgência . Constitui ainda
o principal motivo de referenciação à consulta
5 de Neuropediatria .
Existem diversas formas classificativas da ce- faleia. Quanto ao tempo de evolução podem classificar-se em agudas, agudas recorrentes e
crónicas progressivas ou não progressivas. Quanto à etiologia podem dividir-se em: primá- rias, em que a cefaleia é a «doença em si»; e secundárias, quando a dor surge em conse- quência de outra patologia subjacente.
Os episódios agudos estão frequentemente associados a causas secundárias benignas, como um processo inflamatório, infeção ou trau- matismo. As cefaleias crónicas progressivas es- tão mais frequentemente associadas a causas potencialmente graves a merecer tratamento urgente2,6. As cefaleias agudas recorrentes ou crónicas não progressivas são o padrão tempo- ral mais típico das cefaleias primárias2. Em ida- de pediátrica, as causas mais frequentes são a enxaqueca e a cefaleia de tensão2,5.
A enxaqueca apresenta uma prevalência glo- bal estimada em crianças e adolescentes de 7,7% (IC 95%: 7,6-7,8)1, sendo mais comum no sexo feminino (9,7% [IC 95%: 9,4-9,9]) do que no sexo masculino [6,0% [IC 95%: 5,8-6,2])1. O seu diagnóstico é clínico, na presença de epi- sódios recorrentes de cefaleia moderada a in- tensa, focal e pulsátil, com duração de 2 a 72 horas, que agrava com a atividade física e que se pode acompanhar por náuseas/vómitos, fono e fotofobia7.
A cefaleia de tensão carateriza-se por uma dor mal localizada, não pulsátil, frequentemente tipo pressão e bilateral, ligeira a moderada, com duração de 30 minutos a alguns dias, que não agrava com atividade física. Pode associar-se a foto e fonofobia, mas não a náuseas ou vómitos e associa-se frequentemente a tensão muscular cervical2.
Muitas vezes, as crianças têm uma sobrepo- sição destas duas patologias, cefaleia mista, em que uma cefaleia crónica mantida apresenta epi- sódios de crise com caraterísticas migranosas (dor intensa, pulsátil associada a náuseas e vó- mitos e/ou fono e fotofobia)2.
Apesar de existirem critérios diagnósticos bem definidos, a distinção entre cefaleia primá- ria e secundária pode ser dificultada em situa- ções em que não se obtém a descrição detalha- da das caraterísticas e da intensidade da dor, nomeadamente em contexto de urgência e em crianças em idade pré-escolar6–9. Por essa ra- zão, a avaliação de uma criança com cefaleia exige a exclusão de sinais de alarme2,5. Assim, na abordagem diagnóstica de uma criança com cefaleia são essenciais a realização de uma anamnese, que inclua uma correta caraterização da queixa, antecedentes familiares e pessoais, e um exame objetivo incluindo antropometria, exame neurológico e fundoscopia59.
Os exames de neuroimagem não estão indica-
dos por rotina e devem ser reservados aos casos
que não cumpram critérios diagnósticos de ce-
faleia primária, quando existem sinais de alarme
e na presença de alterações ao exame neuroló-
gico5. O exame de imagem de eleição é a res- sonância magnética, não sendo indicada a sua realização na enxaqueca típica com ou sem
aura, enxaqueca com mais de seis meses de evolução com história familiar positiva e na enxa-
queca não progressiva6. Em contexto de urgên-
cia, a tomografia computorizada cranioencefálica (TC-CE) é frequentemente a escolha por ser mais acessível e pela rapidez de execução, permitin-
do a exclusão da maioria das causas secundá-
rias, como causas infeciosas, hemorragias intra- cranianas ou lesões ocupando espaço5,6. 9
I. Marques Carneiro, et al.: Porque a Dor Dói... Abordagem de Cefaleia Primária em Contexto de Urgência
 tion, 14 (20.6%) intravenously and 28 (41%) children were still discharged with pain. 41(59.4%) were referred to the Neuropediatrics consultation. During the next six months, 19 (27.9%) returned to the emergency room due to headache. No secondary headache due to undiagnosed severe pathology was found in the emergen- cy room. Conclusion: The diagnostic approach was adequate, although with excessive use of imaging exams. The medical history would make it possible to dispense imaging tests in most cases. Treatment of patients with primary headache was insufficient; there was an unsatisfactory control of pain, nausea and vomiting and underuse of the intravenous route. There was a high readmission of patients and most patients were discharged without a pain control plan. A protocol for the treatment of migraine crisis is proposed. (Dor. 2018;26(2):8-14)
Corresponding author: Inês Marques Carneiro, inesmcarneiro@gmail.com
Key words: Children/adolescents. Headache. Migraine. Analgesia.
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