Page 24 - APED 2018 N1
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a anca ocorre quando a lesão é no ramo ilio- -hipogástrico. A lesão do nervo ilioinguinal e ge- nitofemoral origina dor irradiada para a virilha, escroto ou pénis ou para a face anterior dos grandes lábios e face anterior da coxa10.
Na ausência de lesão nervosa, a dor ocorre por lesão tecidular e inflamação crónica, estira- mento de músculos e ligamentos, fibrose peri- neural ou periprotésica e por recidiva herniária. Estes mecanismos estão associados a dor noci- ceptiva, descrita como moinha, facada, estira- mento ou latejante8,10,12.
A sensibilização central e periférica são me- canismos da DPPO. A sensibilização central após o traumatismo cirúrgico é mantida pela sensibilização periférica decorrente da estimula- ção persistente dos recetores nociceptivos no campo cirúrgico. A nível neuronal ocorre estimu- lação dos nociceptores após lesão nervosa no momento intraoperatório e no período pós-ope- ratório imediato. A regeneração nervosa perifé- rica dos aferentes primários e dos corpos celu- lares do gânglio da raiz dorsal é responsável pela manutenção de atividade ectópica. As fi- bras aferentes A δ, íntegras, adjacentes ao cam- po cirúrgico, perpetuam a estimulação colateral e as alterações estruturais do sistema nervoso central como a inibição das vias descendentes inibitórias dos interneurónios do corno posterior da medula, decorrentes da estimulação noci-
6,13 ceptiva contínua no período perioperatório .
Fatores de risco
A literatura descreve como fatores de risco associados a DPPHI, com grau de evidência forte, o sexo feminino, idade jovem (< 40 anos), dor no pré-operatório e no pós-operatório ime- diato de grande intensidade, história de dor cró- nica, cirurgia a recidiva herniária e hernioplastia por técnica aberta.
Na técnica laparoscópica, o plano de dissec- ção poupa o nervo inguinal, razão pela qual a incidência de DPPHI é menor.
A colocação de prótese parece reduzir a inci- dência de DPPHI quando comparado com a herniorrafia.
A existência de complicações pós-operató- rias, a neurólise e a preservação do nervo ilioin- guinal são apontados como fatores de risco para DPPHI de evidência moderada.
Por último, a predisposição genética (haplóti- po HLA DQB1*03:02), a catastrofização, a dor intensa após estimulação tónica térmica, a fixa- ção inadequada da prótese com sutura, clip ou agrafos, técnica cirúrgica com lesão dos nervos inguinais, cirurgião inexperiente, disfunção sen- sorial da região inguinal, complicações pós-ope- ratórias como infeção ou hematoma e ganhos secundários são fatores de risco com baixa evi- dência científica10,14.
Os fatores psicossociais associados à dor cró- nica são objeto de vários estudos. Uma revisão
sistemática correlacionou com significado esta- tístico a DPPO com a depressão, a vulnerabili- dade psicológica e o stress. O mesmo estudo demonstrou que existe evidência insuficiente para correlacionar a ansiedade, o autocontrolo, a vitalidade, a autoperceção, as expetativas e o apoio social com a DPPO15.
Tratamento
O tratamento da DPPO é baseado nas reco- mendações para o tratamento da dor crónica da Organização Mundial de Saúde. Os doentes que iniciam terapêutica demonstram melhoria do seu quadro clínico5.
O tratamento deverá ser mantido enquanto permanecer o estímulo sensitivo, ou seja, en- quanto existir dor.
Existe evidência clínica na terapêutica da DPPO com fármacos inibidores N-metil-D-aspar- tato (cetamina) e com anticonvulsivantes (gaba- pentinoides) pela sua ação inibidora na sensibi- lização central6.
Uma meta-análise de 2014 analisou a admi- nistração de cetamina endovenosa no periope- ratório, tendo concluído existir uma redução de 25% (NNT – 12) de DPPO aos três meses e 30% (NNT – 14) aos seis meses. Não houve, no en- tanto, evidência na redução de risco de DPPO aos 12 meses16.
Em 2017, outra meta-análise demonstrou que a pregabalina não tem impacto na incidência de DPPO aos 3, 6 e 12 meses após cirurgia17.
Os anti-inflamatórios diminuem a sensibiliza- ção periférica dos nociceptores e estão indica- dos quando o mecanismo subjacente é inflama- tório e não é neuropático6.
Em 2016 foi publicado um estudo que de- monstrou uma redução da incidência de DPPHI após infiltração local ou raquianestesia com anestésico local associado a anti-inflamatório (cetorolac) durante quatro dias, reforçando os benefícios de uma abordagem multimodal no tratamento da dor18.
A terapêutica para a dor neuropática localiza- da com emplastro de lidocaína tópica 5%, se- gundo a norma portuguesa da Direção-Geral de Saúde (DGS), apenas está recomendada para a nevralgia pós-herpética. A mesma norma reco- menda para a dor neuropática localizada o ade- sivo de capsaícina 8% (de uso exclusivo hospi- talar)19.
Segundo Bischoff, não existe evidência de efi- cácia na aplicação do emplastro de lidocaína 5% na redução dos níveis de dor em repouso e em movimento, em comparação com o placebo, em doentes com DPPHI com dor severa20. Tam- bém a aplicação do adesivo de capsaísina 8% não reduziu significativamente os níveis de dor em repouso e em movimento, em comparação com o placebo, em doentes com DPPHI. No entanto, o autor sublinha a tendência para o alívio da dor após um mês de aplicação21.
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A. Ricardo, N.A. Fernandes: Dor Persistente Após Hernioplastia Inguinal – A Propósito de um Caso Clínico
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