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A SCCF carateriza-se pela manutenção per- sistente de queixas álgicas dorsolombares e/ou nos membros inferiores em doentes anteriormen- te submetidos a cirurgia da coluna vertebral, com possíveis alterações no exame físico e tra- dução imagiológica. A incidência de SCCF varia consideravelmente em diversos estudos, entre 20 a 40%2, sendo uma condição complexa, mui- tas vezes de etiologia multifatorial, o que dificul- ta o seu diagnóstico. Estão descritos diferentes fatores implicados na sua fisiopatologia, que se estendem desde a seleção inapropriada do doente, diagnóstico incorreto e indicação cirúr- gica incorreta; lesão neurológica irreversível, quer pela própria doença ou iatrogénica; cirur- gia inapropriada; ou ainda, patologia recorrente. O tratamento é geralmente difícil e normalmente é necessário o apoio na Consulta de Dor2.
Relata-se um caso clínico, onde, dentro deste contexto de dor crónica de difícil controlo, abor- dou-se o doente com uma técnica interventiva – BEEE.
Relato de caso
Sexo feminino, 51 anos, com síndrome de co- luna falhada, antecedentes de escoliose dorso- lombar operada aos 23 anos, tendo sido inter- vencionada à coluna novamente em 2009 para extração do material de osteossíntese (EMOS), por dor. Seguida posteriormente em Consulta de Dor crónica com queixas álgicas severas de ca- raterística miofascial e neuropática, na região paravertebral em toda a extensão torácica, bila- teralmente, com intensidade na Escala Visual Analógica (VAS score) variável entre 6 a 9, con- forme terapêutica instituída e suas alterações ao longo do tempo. Refere alterações severas no padrão de sono e qualidade de vida.
Antecedentes de siringomielia, como achado imagiológico, sem queixas específicas, seguida em consulta de Neurologia, com estudo imagio- lógico e neuromuscular, que mostram cavidade centromiélica de C2 até praticamente ao cone medular, sem condicionar compressão nervosa ou défices, excluindo-se como causa do quadro de dor existente e sem indicação cirúrgica.
A terapêutica farmacológica convencional in- cluía opioides e adjuvantes, sem controlo satisfa- tório da dor apesar das tentativas de rotação e aumento de dose. Iniciou, em 2012, infiltrações musculares (trapézio e paravertebrais torácicos) com toxina botulínica, que vem fazendo ocasio- nalmente, com melhoria ligeira, apesar de incom- pleta e transitória. Fez algumas infiltrações miofas- ciais com anestésico local (AL) (ropivacaína 0,2%), também com melhorias ligeiras e transitórias, mas com pouca satisfação para a doente. Desde 2014 iniciou sessões de acupuntura contemporânea, à qual a doente aderiu de forma mais regular, e em que refere melhorias mais significativas mas tam- bém de duração muito limitada.
Realiza-se o BEEE, de acordo com a des- crição original da técnica3, com sonda linear,
H. Reis, D. Machado: Bloqueio Ecoguiado do Eretor da Espinha tendo-se injetado 20 cc de ropivacaína 0,2%, no
espaço fascial, entre a face profunda/anterior do músculo eretor da espinha (EE) e a apófise transversa da 5.a vertebra torácica, bilateralmen- te. Sem quaisquer complicações.
A paciente refere ter ficado sem qualquer dor (VAS score 0) durante os dois dias após a inter- venção, sendo que durante as quatro a oito sema- nas seguintes afirma ter tido apenas dor ligeira controlada (VAS score entre 2 a 4) e ótima satisfa- ção, nomeadamente no padrão de sono e qualida- de de vida. Durante esse tempo foi possível dimi- nuir-se a terapêutica farmacológica de base. Após esse período de quatro a oito semanas, as queixas álgicas foram aumentando progressivamente, até que regressaram à intensidade anterior ao blo- queio, com necessidade da terapêutica habitual.
Discussão
O BEEE (nome comum dado ao conjunto de três músculos que suportam a coluna: o spinalis, longissimus thoracis, iliocostalis) consiste – após a visualização e identificação ecográfica dos músculos trapézio, romboide maior (RM) e EE, ao nível da quinta vértebra (T5), e acima da sua apófise transversa, com a sonda linear colocada no plano parasagital, paralela à linha média – na inserção de uma agulha ecogénica (8 cm, 22 Gauge), a 5 cm lateralmente à apófise espinho- sa da T5 em abordagem cefálica-caudal e in- -plane em relação à sonda ecográfica, injetan- do-se 20 cc de AL no espaço interfascial, entre a face superficial do EE e a face profunda do RM, ou então, abaixo da fáscia da face profunda do EE, tendo a apófise transversa como referên- cia, isto sempre auxiliado com imagem ecográ- fica. O objetivo será dispersar o AL para o es- paço paravertebral anteromedial, ao mesmo nível e consequentemente aos espaços paraver- tebrais contíguos, cefálicos e caudais ao longo da coluna vertebral, de forma a banhar e blo- quear as divisões anteriores e posteriores dos nervos espinhais. Está descrito3 bloqueio cutâ- neo sensitivo em toda a região dorsal e parte anterior do tórax, nos dermátomos correspon- dentes desde T1 a T9, confirmado com estudos imagiológicos e em cadáveres, ficando a desco- berto apenas uma pequena faixa vertical, na li- nha média anterior do tórax (esternal), com cer- ca de 5 a 10 cm de largura, possivelmente por corresponder à área de enervação cruzada.
Apesar de aparentemente não existir diferen- ças na área de cobertura do AL, conforme se a abordagem é superficial ou profunda ao EE, nos bloqueios em cadáveres e após a dissecção anatómica, revelou-se haver melhor dispersão para os ramos ventrais dos nervos espinhais, na abordagem profunda, sendo por isso esta a via recomendada, principalmente se o objetivo é um
3 bloqueio mais anterior .
Nesta doente, a técnica foi feita sob técnica assética e monitorização standard, conforme o 25
DOR