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Dor (2018) 26 Editorial Sílvia Vaz Serra Olá. “E eu, cujo espírito de crítica própria me não permite senão que veja os defeitos, as falhas, eu, que não ouso escrever mais que trechos, boca- dos, excertos do inexistente, eu mesmo, no pouco que escrevo, sou imperfeito também. Mais valerá pois, ou a obra completa, ainda que má, que em todo o caso é obra: ou a ausência de palavras, o silêncio inteiro da alma que se reconhece incapaz de agir.”1 A dor crónica pós-operatória grave é uma das com- plicações mais indesejadas de qualquer intervenção cirúrgica, com grande impacto na qualidade de vida dos doentes. Neste artigo, os autores relatam um caso clínico complexo com dor neuropática grave após cor- porectomia de T10 e a artrodese de T9-T10 que res- pondeu bem à aplicação de um sistema de adminis- tração transdérmica de capsaícina 8%. Uma opção adicional na abordagem da dor de caraterísticas emi- nentemente neuropáticas. Sugiro a leitura detalhada. Nunca é demais frisar que a dor crónica possui um elevado impacto socioeconómico e que afeta cerca de 36,7% da população adulta portuguesa. Também é do conhecimento comum que, muitas vezes, a terapia farmacológica revela-se insuficiente e com efeitos late- rais (como tudo na vida) intoleráveis. Os autores deste pertinente e importante estudo começam por referir que, em Portugal, a acupuntura foi reconhecida como competência pela Ordem dos Médicos em 2002. Com este trabalho pretendem avaliar o efeito da acupuntura, a curto e médio prazo, na intensidade da dor, estado funcional e impacto na qualidade de vida dos doentes. Apresentam alertas, indicações, recomendações, con- clusões extremamente interessantes. Vai querer saber mais. É obrigatório ler e refletir... “O que sinto, na verdadeira substância em que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é.”1 A cesariana é uma das cirurgias mais frequente- mente realizadas na atualidade, com uma taxa de aproximadamente 30% nos países ocidentais. Esta incidência também se tornou “relevante” a partir do momento em que foi associada aos relatos de dor crónica pélvica, algumas vezes debilitante e com pre- juízo da qualidade de vida da mulher. Os colegas avaliam exaustivamente as causas, as consequências e sugerem recomendações. Nunca é demais alertar. Muito está nas nossas mãos. “A erudição da sensibilidade nada tem a ver com a experiência da vida. A experiência da vida nada ensina, como a história nada informa. A verdadeira experiência consiste em restringir o contacto com a realidade e aumentar a análise desse contacto. Assim a sensibili- (1) Livro do desassossego - Bernardo Soares /Fernando Pessoa e (2) Vagas e lumes - Mia Couto. dade se alarga e aprofunda, porque em nós está tudo: basta que o procuremos e o saibamos procurar.”1 Quase no final deste volume, um texto é escrito sobre um tema muito pouco abordado – dor crónica pediátrica. Os autores realizaram uma revisão siste- mática da literatura que avalia a prevalência de dor crónica em crianças e adolescentes em Portugal, pu- blicada em português e inglês na PubMed, Repositó- rio Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP) e Índex Revistas Médicas Portuguesas (IndexRMP). Quatro estudos portugueses e, a título comparativo, 14 estudos internacionais foram dissecados. Várias conclusões são retiradas (referencio só algumas): mais estudos de âmbito nacional incluindo crianças em idade pré-escolar e escolar são necessários; é relevante investigar a existência de outras comorbili- dades como insónia, depressão ou ansiedade, assim como fatores de risco como stress, pressão académi- ca e violência; é necessário reduzir as limitações dos estudos... Um longo caminho, ainda, para percorrer mas que é importante prosseguir! “Uma das minhas preocupações constantes é o compreender como é que outra gente existe, como é que há almas que não sejam a minha, consciências estranhas à minha consciência que, por ser consciên- cia, me parece ser a única.”1 Este artigo final – the last but not the least – resume os mecanismos de ação, indicações, seleção de doentes, evidência publicada, bem como limitações e complicações possíveis das diferentes modalidades de estimulação periférica: estimulação de nervos pe- riféricos, estimulação subcutânea periférica de campo e transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS). O recurso à estimulação de nervos periféricos, inte- grando uma estratégia multimodal de tratamento da dor crónica é, cada vez mais, uma opção promissora. Os autores referem a necessidade de melhores estu- dos, com particular atenção à metodologia. Agucei a curiosidade? Estou certa de que sim! “Uns deixam na pegada Um título de propriedade Do palmilhado chão. O pé na poeira É o ferrete em brasa No couro do mundo. A pegada, A mim, Me despossui. No tímido passo Me torno escasso. O que resta Na pegada, É um pé de água. Água a perder o pé.” 2 Até breve. 3 DOR